A formação de educadores no Brasil

A formação de educadores tem sido amplamente debatida por pesquisadores e formadores, surgindo inúmeras propostas e tendências de formação. É importante lembrar que em sintonia com as diversas fases da história da educação brasileira, preconizando mudanças estruturais nas formas de ensinar e aprender, influenciadas pelas novas concepções como as da escola nova, o tecnicismo, o construtivismo e o sócio-interacionismo, muitas foram as ideias surgidas quanto à formação e profissão docente.
Para Aranha (1996), com a chegada dos jesuítas no Brasil o padre Manoel da Nóbrega de espírito empreendedor organiza as estruturas do ensino. Para ensinar eram necessários que os jesuítas se formassem na língua nativa dos índios, estes jesuítas pode-se dizer que foram os primeiros professores do Brasil.
O primeiro jesuíta a aprender a língua dos índios foi Aspilcueta Navarro, a essas duas figuras vem se juntar, em 1553, o noviço José de Anchieta. Os padres aprendem a língua tupi-guarani e elaboram os textos usados para a catequese, ficando a cargo de Anchieta a organização de uma gramática tupi. Anchieta usa diversos recursos para atrair a atenção das crianças como, teatro, música, poesia, diálogos em verso.
As primeiras escolas fundadas reúnem os filhos dos índios e dos colonos. A tradição das famílias portuguesas era orientar os filhos para diferentes carreiras, mas um deveria seguir a carreira de padre para poder ensinar as crianças da família.
Com a instalação da corte portuguesa no Brasil, além das adaptações administrativas necessárias, houve o incremento das atividades culturais e educacionais, antes inexistentes. Mas com o precário sistema de tributação torna a falta de recursos um crônico empecilho para qualquer realização, seja a construção de escolas, seja a preparação de professores, ou a sua remuneração mais decente. Por isso não é boa a qualidade de ensino, com professores improvisados, sem formação, com baixos salários e obrigados a dedicar-se a outras atividades ao mesmo tempo.
Para melhorar a formação dos professores, são fundadas as primeiras escolas normais em Niterói (1835), Bahia (1836), Ceará (1845) e São Paulo (1846). Sendo um ensino formal distante da realidade profissional do professor. O descaso pelo preparo dos professores faz sentido numa sociedade não comprometida com a prioridade à educação elementar. Apesar disso, as escolas normais são implantadas aos poucos. As escolas normais para formação de professores é exclusividade dos jovens rapazes, apenas trinta anos após sua fundação a escola normal de São Paulo aceita moças como alunas. Estas escolas formam professores para o ensino primário, apenas em 1937 formam-se no Brasil os primeiros professores licenciados para o ensino secundário.
Em 1946 instituem-se diversas modificações, a influência do movimento renovador se faz presente estipulando o planejamento escolar, além de propor melhor remuneração aos professores. A constituição de 1946 reflete o processo de redemocratização do país, após a queda da ditadura de Vargas.
Com o golpe militar de 1964, a repercussão imediata na educação se faz sentir na reestruturação da representação estudantil. As escolas de grau médio e faculdades sofrem controle, seus grêmios são transformados em centros cívicos. Em fevereiro de 1969, uma lei proíbe professores de qualquer manifestação política e sindical. Muitos professores são presos, desaparecidos e mortos pelo regime militar. Os remanescentes trabalham sob ameaças. A partir daí, desenvolve-se uma reforma educacional autoritária.
Outro prejuízo é a desativação das antigas escolas normais, destinadas a formação de professores para o ensino fundamental, mas desenvolve-se um novo curso com o nome “habilitação para o magistério”, neste curso não há articulação didática, e várias disciplinas como filosofia e psicologia ficam fora da grade curricular.
Diante dos estragos causados pela ditadura, os debates se concentram na reestruturação dos cursos de formação de professores, há um grande esforço na reformulação e planejamento didático para os futuros professores, nesse sentido formaram-se os Cefans (Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), os professores formados nestes centros eram engajados politicamente em sua classe e pedagogicamente preparados para a profissão.
Para transpor os obstáculos apresentados nos processos de formação, seja inicial ou continuada, têm surgido inúmeras propostas com concepções e práticas diferentes.
Lisita (2001) identificou quatro perspectivas ou tradições de formação de professores: a perspectiva acadêmica - formação de um especialista em uma ou várias áreas e disciplinas com o objetivo de dominar os conteúdos; a perspectiva da racionalidade técnica - formação de um técnico capaz de atuar conforme as regras e técnicas advindas do conhecimento científico; a perspectiva prática - formação na e para a prática e a perspectiva da reconstrução social - formação para exercer o ensino como atividade crítica. As pesquisas voltadas para esse tema também se intensificaram, podendo ser agrupadas em: pesquisas de diagnósticos - identificando os desafios e as demandas nos processos de formação, nas políticas públicas e nas ações dos professores e pesquisas propositivas: amplas e específicas - propondo princípios, metas e orientações teóricas e práticas em duas esferas: global e pontual.
São pesquisas de diagnóstico, trabalhos como os de Gatti (1992) e (1994), Ludke (1994) e Silva (1991), apontando diagnóstico das demandas e desafios emergentes.
Gatti (1992), analisando a situação da formação (pré-serviço e continuada) de docentes no Brasil, verificou e apresentou alguns problemas básicos: cursos de licenciatura oferecidos em precárias condições por instituições privadas são predominantes; a experiência prática e o conhecimento dos professores não são levados em consideração, e os currículos dos cursos são enciclopédicos, elitistas e idealistas.
Para Gatti (1992), os currículos dos cursos apresentaram em determinados momentos tendências que dominaram a formação dos professores brasileiros. Inicialmente, predominou a ênfase psicológica em detrimento da pedagógica, enfocando fortemente as diferenças individuais, depois, a ênfase no planejamento e na operacionalização dos objetivos, influenciado pela teoria do capital humano. Já na década de 80, ganha espaço as discussões das teorias do conflito, com domínio sociológico, e finalmente hoje se assiste um retorno para o enfoque psicológico.
Segundo Gatti (1994), a formação de professores nas universidades é relegada a um plano secundário, há uma prioridade nacional em torno da pesquisa.
Os resultados de Ludke (1994) chegam a pontos muito semelhantes aos citados acima. Para Silva (1991), salienta-se que a formação de professores está longe de ser assumida como dimensão institucional de primeira linha, embora a universidade mantenha inúmeros cursos, cujos egressos, geralmente, fazem opção pelo ensino. Enfatiza-se que se continua predominando nos cursos, a visão de um professor genérico e abstrato, sem considerar as reais condições e contextos de vida e profissional. Um redimensionamento da formação inicial, tem sido considerado em reformas implantadas em diversas partes do mundo.
No Brasil, com a publicação e distribuição em larga escala dos Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio – assim como, o resultado das pesquisas de Gatti (1992) e (1994), Ludke (1994) e Silva (1991), sobre quais as políticas nacionais que embasam a formação de professores, apontaram para uma demanda de reestruturação do 3º grau, pois os resultados dessas pesquisas, apesar de enfocar diferentes aspectos da formação de professores, identificaram a dicotomia teoria-prática presentes nessa formação.
A UNESCO (2000) delineia que: A importância do papel do professor enquanto agente de mudança, favorecendo a compreensão mútua e a tolerância, nunca foi tão patente como hoje em dia. Este papel será ainda mais decisivo no século XXI”. Para melhorar a qualidade e a motivação dos professores, o relatório indica algumas medidas. Segundo este documento, atualmente, o mundo no seu conjunto evolui rapidamente, e essa evolução esta fazendo com que os professores necessitem aprender o que ensinar, e como ensinar, através da atualização e aperfeiçoamento ao longo de sua vida, equilibrando a competência pedagógica, com a competência na disciplina ensinada.
Outro aspecto, que é importante ser considerado, em qualquer análise que se faça da literatura sobre formação de professores e educação inicial, seria a necessidade de desenvolver, nos futuros professores, uma consciência de que, sua formação não se esgota na graduação, mas é um processo continuo, permitindo dessa forma, a sintonia com as exigências advindas do progresso científico e tecnológico das transformações e da vida cultural (ALVES, 1991).
Segundo Alves (1991), a formação permanente dos professores tem como objetivos: possibilitar a participação do professor na organização dos processos de formação, satisfazer as necessidades do professor enquanto indivíduo, ampliar o campo das experiências profissionais do professor, e prepará-lo para a mudança e eficácia. Nas palavras da autora: O professor traz para o processo de formação profissional, a sua experiência passada, o seu conhecimento, as obrigações atuais e as aspirações para o futuro, que influenciarão decisivamente a sua aprendizagem. Negar isto significa negar a instrução dada na formação inicial e os esforços dos educadores quando um currículo foi preparado para formar professores (ALVES, 1991, p.37).
As pesquisas propositivas específicas são as que apresentam especificidades localizadas nos processos de formação, enfocando isoladamente temas como: os saberes dos docentes (GAUTHIER, 2003), as competências para o exercício da profissão (PERRENOUD, 1997), a profissionalização do educador (RAMALHO, 2003), a sua ação no ensino de conteúdos específicos como Carvalho (2003) em ensino de ciências, entre outros.
Atualmente, inúmeros trabalhos têm sido publicados, dando ênfase na ação - reflexão - ação. Este debate também abrange profissionais que atuam na área de formação, apontando necessidades para: a formação permanente contemplando tanto a formação inicial como a continuada; a articulação entre a teoria e a prática; o foco na escola como unidade pedagógica que articula ação dos vários atores; a utilização de técnicas e recursos variados para ensino-aprendizagem; a incorporação de diferentes conhecimentos para orientar a s ações e a situação individual dos sujeitos envolvidos nas práticas educativas.
Paulo Freire propõe alguns aspectos para este debate, ele considera que a formação de professores deve abordar: a fisionomia da escola que se quer, enquanto horizonte da nova proposta pedagógica; a necessidade de suprir elementos de formação básica aos educadores nas diferentes áreas do conhecimento humano; a apropriação, pelos educadores, de avanços científicos do conhecimento humano que possam contribuir para a qualidade da escola que se quer (FREIRE, 1991, p.80).
A atenção à desigualdade regional não pode confundir diferença cultural (a ser valorizada) com desigualdade sócio-econômica e de acesso aos patamares necessários a uma boa formação (a ser superada). Seguindo o princípio da eqüidade, entende-se que fazer justiça é buscar, no atendimento à diferença, a igualdade de direitos e o direito à diversidade, sem inferiorizar.
A realidade brasileira, complexa e heterogênea, não deve permitir que a formação de professores seja compreendida como um processo linear, simples e único. A grande diversidade cultural característica de nosso país, as peculiaridades regionais e as especificidades das populações e grupos atendidos pela escola revelam a necessidade de que se construam diferentes caminhos, para avançar na qualidade da educação ofertada.
A LDB 9394/96, em seu artigo 61, diz que:
“Art. 61 - A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;
II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. ”
O grande desafio que temos enfrentado, na formação dos professores de educação infantil tem sido trabalhar a apropriação dos sujeitos – professores e professoras - acerca do processo de construção de uma proposta coletiva de trabalho que articule as vivências, experiências, realidade dos alunos com os conhecimentos culturalmente construídos, uma vez que, quando retornam à prática cotidiana não conseguem romper com concepções já estabelecidas tradicionalmente, como por exemplo, a retirada de conteúdos sempre recai na tradicional grade curricular ou mesmo no livro didático.
Na escola, ocorre a elaboração de novos conhecimentos - cognitivo, social, afetivo e motor - através da ação e observação sobre o meio e das interações que são estabelecidas. A presença do educador é fundamental neste processo de aprendizagem, pois será ele quem promoverá a organização das situações de aprendizagem.
Fica claro, portanto, que, para construir junto com seus futuros alunos experiências significativas de aprendizagem e ensiná-los a relacionar a te­oria e a prática em cada disciplina do currículo, é preciso que a formação dos professores seja pautada em situações equivalentes de ensino e aprendi­zagem. Esse isomorfismo de processos, neste documento referido também como “simetria invertida”, é decisivo como critério de avaliação dos cursos de formação de professores e como critério de validação de novas propostas institucionais e pedagógicas.
Definidos os princípios, a LDB 9394/96 dedica os dois artigos seguintes aos tipos e modalidades dos cursos de formação inicial de professores e sua localização institucional:
Art. 62 - A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em uni­versidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Art. 63 - Os institutos superiores de educação manterão:
I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;
II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica;
III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.
Uma política de profissionalização do magistério requer um sistema des­centralizado, participativo e inovador de formação continuada, que garanta a complementação, atualização e melhoria das competências dos professo­res, dirigentes e especialistas em exercício.
Propõe-se, portanto, uma estreita articulação entre os processos de for­mação inicial e de formação continuada e destes com a instituição escolar, na perspectiva da construção e desenvolvimento de Projetos Pedagógicos adequados e exequíveis.
Reafirma-se que a implementação de uma política de profissionalização do magistério só se efetivará com o engajamento de seus atores, professores, instituições formadoras e sistemas de ensino.
 
Capítulo do livro:
 
SOUZA NEVES, Regiane. A formação de professores no Brasil – história através dos tempos. Souza & Neves Edições. São Paulo, 2014